Estou reescrevendo; reeditando um ensaio no qual tento comparar - não sei se forçosamente – dois livros de conteúdos totalmente diferentes, mas que em certo ponto se convergem. Os livros são: Memórias do Subsolo de Dostoiévski e As Portas da Percepção de Aldous Huxley.
O que tento comparar é a relação social dos dois, ou melhor dizendo, a ausência dela. Mesmo que o homem do subsolo seja por natureza um ser isolado; misantrópico e no relato pessoal de Aldous Huxley torna-se difícil e desinteressante o convívio pessoal por causa do efeito da mescalina, droga originária do peiote - com principio ativo parecido com o lsd - mas que para o autor não causa alucinação; visões e sim uma maior percepção dos sentidos e por isso o convívio pessoal se torna tão insatisfatório.
Se em um livro o personagem é por essência isolado da sociedade e no outro é apenas momentâneo, e se um é fictício e o outro real não significa que tal comparação é inapropriada, pois se sabe que o monólogo de memórias do subsolo é influenciado na vida do próprio autor, quando foi preso e condenado à morte, mas que foi absolvido nos momentos finais, tal fato marcou profundamente a vida e obra de Dostoiévski.
Os dois protagonistas têm, sem dúvida, uma inteligência e percepção do mundo acima da média, muito além da mediocridade, outro ponto em comum. E talvez seja essa percepção mais aguçada que os façam, de certo modo, criticar os homens de ação; a vida cotidiana. Seria o mesmo que Baudelaire critica em Paraísos artificiais no Poema do Haxixe: que uma sociedade não sustentaria se todos usassem haxixe, pois o desinteresse pelos compromissos seria grande e que haveria a vontade apenas de reflexão e não de ação.
Em "Portas da percepção" Huxley diz que a mescalina traz aos homens comuns as percepções dos músicos, poetas e pintores, mas que o grande problema é conciliar a contemplação com as relações humanas.
"A mescalina nos abre acesso a Maria, mas fecha a porta que nos leva a Marta (Nas alegorias cristãs, Marta simboliza a vida ativa, enquanto Maria a contemplativa)” - Aldous Huxley.
O que é mostrado no livro do autor inglês é que esses sentidos mais aguçados são desnecessários para a vida cotidiana, chegando a nos atrapalhar no dia a dia, e que nosso organismo faz com tenhamos o mínimo necessário de percepção. A mescalina simplesmente age sobre esse mecanismo que inibe nossos sentidos, liberando-os.
“E, entretanto, minha pergunta continuava sem resposta. Como conciliar essa percepção aguçada com uma justa preocupação pelas relações humanas, com os deveres e as tarefas inadiáveis, para não mencionar a caridade e a piedade atuante? A velha disputa entre contemplativos e ativos estava sendo renovada”, Aldous Huxley.