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Esse texto não pretende mostrar a moral – ou a falta dela – de um poeta adolescente, maldito e precoce. Julgar Rimbaud está à parte de qualquer mortal. Aponto e tento interpretar apenas a tempestade de imagens de desespero e revolta que esse jovem poeta rasga em sua obra maior: “Uma temporada no inferno (Une saison en enfer)”
Herdeiro direto da poesia decadentista, maldita e simbolista de Baudelaire Arthur Rimbaud escreve sua poesia em prosa superando a poética de seu mentor intelectual; o também poeta Paul Verlaine.
Em 1870, orientado por seu professor Georges Izambard, Rimbaud começa sua poesia ao estilo parnasiano. Em 1871, manda seus poemas ao já célebre poeta Paul Verlaine, que o introduz na comunidade literária parisiense. Influenciado por Verlaine percebe-se a rigidez na métrica e rima, pois como o próprio Verlaine disse “A música acima de tudo”, mas logo Rimbaud se desprende de tal influência, produzindo sua poesia de maneira única.
Meados de 1872, Arthur Rimbaud vai para Paris com Verlaine, que larga seus filhos e esposa para viver ao lado de Rimbaud. O relacionamento amoroso dos dois poetas choca a sociedade parisiense, não somente por ser um relacionamento homossexual no final do séc. XIX, mas por ser marcado por haxixe, absinto e muito álcool.
No ano seguinte, em uma das brigas do casal de poetas, Verlaine atira duas vezes em seu amante, acertando-o no pulso. Verlaine é condenado e preso por dois anos, não por ter atirado, mas por pederastia. Rimbaud não faz nada para tentar tirá-lo da cadeia, pelo contrário, volta para Charleville, sua cidade natal, onde termina, aos 19 anos, seu último livro “Uma temporada no inferno”.
Em 1874, vai para Londres onde escreve os primeiros poemas em verso livre da França: Iluminações. Então decide parar de escrever para trabalhar. Mas Rimbaud é maldito demais para um trabalho comum, viaja pela Europa, Ásia e por fim África onde vira traficante de armas.
Esses dados biográficos servem como auxilio na compreensão da obra e do pensamento desse poeta maldito.
“Uma temporada no inferno” como está muito bem definido no verso do livro: “é o visceral relato em prosa poética do homem perscrutando as suas profundezas e origens. De uma riqueza imagética sem precedentes na literatura, os textos desse livro visitam sonhos e terras distantes, desejo de solidão e sede de conhecimento, o passado ancestral e a busca pelo desconhecido.’’
A poesia de Rimbaud é a representação da revolta selvagem de um jovem que hora mostra uma lucidez quase profética, hora uma inocência adolescente, mas que não perde a grandiosidade e força das palavras.
Talvez por isso seja o principal poeta que influenciou o vocalista da banda de rock The Doors e poeta Jim Morrison, a música Wild Child mostra tal influência:
Criança selvagem cheia de graça
Salvadora da raça humana
Seu rosto frio
Criança natural, criança terrível
Não é filha de sua mãe nem de seu pai
Nossa filha, gritando selvagemente
Um ancião lunático reina
nas árvores da noite
Com fome nos seus calcanhares
e liberdade nos seus olhos
Ela dança de joelhos
Príncipe pirata ao seu lado
Olhando nos olhos vazios do ídolo
Você se lembra de quando estávamos na África?
( Trad. Thales Brust Buzetto)
E não é por menos que Leminski diz em seu ensaio “Poeta Roqueiro” que “vivesse hoje, Rimbaud seria músico de rock”.
“Uma temporada no inferno” é dividido em 9 textos de prosa poética que narram uma jornada: Uma temporada no inferno; Mau Sangue; Noite do inferno; Delírios I – Virgem louca, O esposo infernal; Delírios II – Alquimia do verbo; O impossível; O clarão; Manhã e Adeus.
Já no começo de “Uma temporada no inferno” Rimbaud expõe o que é a sua poesia decadentista: “Uma noite, sentei a beleza no meu colo. E achei amarga. Injuriei.”
O texto Uma temporada no inferno é apenas uma introdução e uma explicação do porquê da jornada que será narrada em seguida: “Ah! Pequei demais: - Mas, caro Satã, por favor, um cenho menos carregado! e esperando algumas pequenas covardias em atraso, como aprecia no escritor a falta de faculdades descritivas e instrutivas, lhe destaco estas assustadoras páginas do meu bloco de condenado eterno.”
No texto Mau Sangue o poeta fala sobre seus ancestrais gauleses, e que deles herdou a maldição do amor ao sacrilégio, sua cólera, vícios e luxúria. Relata também sua ocupação como escritor e condena todos os ofícios: “Detesto todos os ofícios. Chefes e operários, tudo campônios, ignóbeis. A mão na pena vale a mão no arado – Que séculos de mão! Não darei nunca a minha.”
Ainda nesse texto, Rimbaud fala de suas viagens feitas e outras jamais acontecidas, apenas quiméricas, e mostra toda a potência imagética de suas “palavras pagãs”:
“... tenho na memória as estradas pelas planícies suávias, as vistas de Bizâncio, as muralhas de Solimão, o culto de Maria, o enternecimento sobre o crucificado se erguem em mim entre mil magias profanas. – Estou sentado, leproso, entre mil vasos quebrados e urtigas, ao pé duma parede descascada pelo sol. Mais tarde, cavaleiro germânico, ia bivacar sob a noite da Alemanha.
Ah! Ainda: danço o sabá numa clareira rubra, com velhas e crianças.”
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