quarta-feira, 2 de maio de 2012
Mais fritações sobre a loucura e Rimbaud
Vênus Anadiômena
Como de um verde túmulo em latão o vulto
De uma mulher, cabelos brunos empastados,
De uma velha banheira emerge, lento e estulto,
Com déficits bastante mal dissimulados;
Do colo graxo e gris saltam as omoplatas
Amplas, o dorso curto que entra e sai no ar;
Sob a pele a gordura cai em folhas chatas,
E o redondo dos rins como a querer voar...
O dorso é avermelhado e em tudo há um sabor
Estranhamente horrível; notam-se, a rigor,
Particularidades que demandam lupa...
Nos rins dois nomes só gravados: Clara Vênus;
- E todo o corpo move e estende a ampla garupa
Bela horrorosamente, uma úlcera no ânus (Trad. Augusto de Campos)
A imagem de Vênus gorda, calva saindo de uma banheira velha, é uma metáfora à burguesia francesa, a imagem da banheira velha, sintetiza a podridão e os costumes da burguesia da época. Desconstrói todo ideal de belo que condiz com o bem, “o que é belo é do bem, o feio advém do mal”. Rimbaud vive o fin de siècle, um período de renovação um grito de revolta necessário, como forma de transgressão e alargamento da moral no fim do século XIX. O feio não aparece somente em função de uma estética do horrendo.
E a poesia de Rimbaud, tomando-o como pai da modernidade, mostra a dialética do pensamento moderno, fragmentado. Não é somente do inferno que Rimbaud faz sua obra, há também o período de Iluminuras, e na própria temporada no Inferno Rimbaud diz: “ó estações, ó castelos/ hoje sei saudar a beleza. Rimbaud viveu seus extremos, o Inferno e o Paraíso. Como diria Ezra Pound “a poesia evoluiu pouco ou quase nada depois de Rimbaud.”
Jovem influenciado pelos ideais Românticos, Arthur Rimbaud não separava o eu - lírico do próprio autor. E fez de sua obra, sua vida. Até que ponto pode-se dizer que sua poesia é vidente? Rimbaud sucumbiu à loucura para fazer de sua obra um marco. Rimbaud marca também a impossibilidade de sobreviver com a poesia, Baudelaire ainda foi um poeta lido em sua época, mas com a formação sólida da burguesia, há a ascensão do romance e o declínio da poesia, torna-se insustentável sobreviver da arte.
A clarividência louca desse jovem poeta o faz buscar sustento sendo traficante de armas na África, fazendo valer os planos de suas anotações malditas. Influenciado pelas Flores do Mal de Baudelaire e o pouco auxílio psiquiátrico da época, o próprio Rimbaud afirma: “– E pensemos em mim. Isso me leva a ter pouca saudade do mundo. Tenho a possibilidade de não sofrer mais. Minha vida não passou de doces loucuras, é lamentável.”
E Rimbaud no seu desespero vê que é necessário se pegar a algo, mas a fé, a religião já está em crise no final do século XIX: “O sangue pagão retorna! Se o Espírito está próximo, por que Cristo não o ajuda, dando à minha alma nobreza e liberdade? Ai, o Evangelho caducou! O Evangelho! O Evangelho...” ou ainda “Nunca fui deste povo, nunca fui cristão, sou da espécie que cantava no suplício; não conheço as leis; não tenho senso moral...”
Rimbaud viu o desespero de toda essa negação, e a impossibilidade da vida social,jovem como era fez de sua loucura algo a se vangloriar, e seus períodos de euforia e depressão sublimes, a obra de Rimbaud, principalmente Uma temporada no inferno mostra seu inferno não só de depressão, a própria instabilidade de seu espírito o leva ao inferno: “ Não fiz mal. Os dias me serão leves, o arrependimento, poupado. Não terei as torturas da alma quase morta no bem, de onde sobe a luz severa como dos círios fúnebres. A sorte do filho-família, prematuro caixão coberto de límpidas lágrimas.” “Nasce-me a razão. O mundo é bom. Abençoarei a vida. Amarei meus irmãos. Não são mais promessas de infância. Nem a esperança de escapar à velhice e à morte. Deus faz minha força, e eu louvo Deus.”
segunda-feira, 23 de abril de 2012
Sobre a loucura, a poesia, transgressão e modernidade
O ateísmo não pode nos tornar céticos, o artista não nega a vida. A racionalidade é muito mais louca e esquizofrênica. Pensar é enlouquecer, sentir é viver. Escravo do que sinto não me incomoda chorar vendo novela, ainda que eu nunca tenha assistido.
O que nos torna louco é a calma. O silêncio da noite escancara nossos medos. Mas Deus é esse vento que me sopra do nono andar, é o mais divino que eu posso encontrar por entre estrelas enquadradas em minha janela. Tento ser o mais sublime com meus olhos, vejo luzes de Bertoluci nos postes de Goiânia e a metafísica de se comer no pit-dog em frente a Igreja. Um dia bêbado quase morri com um pedaço de bacon na garganta. E sei que minha morte será patética como todas as mortes são patéticas, e ainda assim irão chorar quando morrer.
A arte a loucura e transgressão
O feio choca, mas não perdura. A arte é necessariamente bela, a arte de qualidade. Rimbaud diz sobre o feio, sobre o grotesco, mas sua escrita é muito bem trabalhada, é a artesania das palavras. Picasso desfigura o real, choca, mas ele nunca será um Salvador Dali. O próprio Salvador Dali no livro "Libelo contra arte Moderna" diz:
"1) Ele foi enganado pela feiura
2) Ele foi enganado pelo moderno.
3) Ele foi enganado pela técnica.
4) Ele foi enganado pelo abstrato"
A modernidade interpretou muito mal a frase de Rimbaud: "Uma noite, sentei a Beleza em meu colo. - E achei amarga. - Injuriei"
Não há necessidade de querermos ser modernos, isto bastou para Rimbaud. Nós somos modernos, querendo ou não. A linguagem em transformação, a língua sendo viva e evolutiva, não no sentido de qualidade, mas de estar sempre em transformação já dá ao poeta toda modernidade que ele precisa.
Se por um lado Rimbaud diz: "Il faut etre absolument moderne", posteriormente Lorca dirá:
"Pintor, não te ocupes
em ser moderno.
É a única coisa que,
infelizmente,
não importa o que fizeres,
não poderás evitar de ser.
Eu canto teu desejo
de eterno limite."
É necessário que o artista conheça seu limite. Somente atitude não basta para arte. Os acontecimentos passam, a arte fica. O artista deve sim reconhecer sua loucura, para que somente assim ele possa controlar. A loucura não está em bigodes, roupas estranhas e um dente a menos. A loucura pouco produtiva se esconde na camisa de força do cotidiano. Dali não tem nada de louco ou esquizofrênico. Rimbaud ficou louco quando abandonou a arte. Como diria Bukowski no Amor é um cão dos diabos:
" que eles querem
Vallejo escrevendo sobre
solidão enquanto morria de
fome;
a orelha de Van Gogh rejeitada por uma
puta;
Rimbaud correndo para a África
em busca de ouro e encontrando
um caso incurável de sífilis;
Beethoven ficou surdo;
Pound foi arrastado pelas ruas
numa gaiola;
Chatterton tomou veneno para rato;
o cérebro de Hemingway pingando dentro
do suco de laranja;
Pascal cortando os pulsos na banheira;
Artaud trancado com os loucos;
Dostoiéviski de pé contra um muro;
Crane pulando na hélice de um barco;
Lorca baleado na estrada pelo exército
espanhol;
Berryman pulando de uma ponte;
Burroughs atirando na mulher;
Mailer esfaqueando a sua;
- é isso o que eles querem:
o danado dum show
uma placa luminosa
no meio do inferno.
é isso que eles querem,
aquele bando de
estúpidos
inarticulados
tranquilos
seguros
admiradores de
carnavais."
Deus está morto, mas a arte ainda consegue ser redentora.
O que nos torna louco é a calma. O silêncio da noite escancara nossos medos. Mas Deus é esse vento que me sopra do nono andar, é o mais divino que eu posso encontrar por entre estrelas enquadradas em minha janela. Tento ser o mais sublime com meus olhos, vejo luzes de Bertoluci nos postes de Goiânia e a metafísica de se comer no pit-dog em frente a Igreja. Um dia bêbado quase morri com um pedaço de bacon na garganta. E sei que minha morte será patética como todas as mortes são patéticas, e ainda assim irão chorar quando morrer.
A arte a loucura e transgressão
O feio choca, mas não perdura. A arte é necessariamente bela, a arte de qualidade. Rimbaud diz sobre o feio, sobre o grotesco, mas sua escrita é muito bem trabalhada, é a artesania das palavras. Picasso desfigura o real, choca, mas ele nunca será um Salvador Dali. O próprio Salvador Dali no livro "Libelo contra arte Moderna" diz:
"1) Ele foi enganado pela feiura
2) Ele foi enganado pelo moderno.
3) Ele foi enganado pela técnica.
4) Ele foi enganado pelo abstrato"
A modernidade interpretou muito mal a frase de Rimbaud: "Uma noite, sentei a Beleza em meu colo. - E achei amarga. - Injuriei"
Não há necessidade de querermos ser modernos, isto bastou para Rimbaud. Nós somos modernos, querendo ou não. A linguagem em transformação, a língua sendo viva e evolutiva, não no sentido de qualidade, mas de estar sempre em transformação já dá ao poeta toda modernidade que ele precisa.
Se por um lado Rimbaud diz: "Il faut etre absolument moderne", posteriormente Lorca dirá:
"Pintor, não te ocupes
em ser moderno.
É a única coisa que,
infelizmente,
não importa o que fizeres,
não poderás evitar de ser.
Eu canto teu desejo
de eterno limite."
É necessário que o artista conheça seu limite. Somente atitude não basta para arte. Os acontecimentos passam, a arte fica. O artista deve sim reconhecer sua loucura, para que somente assim ele possa controlar. A loucura não está em bigodes, roupas estranhas e um dente a menos. A loucura pouco produtiva se esconde na camisa de força do cotidiano. Dali não tem nada de louco ou esquizofrênico. Rimbaud ficou louco quando abandonou a arte. Como diria Bukowski no Amor é um cão dos diabos:
" que eles querem
Vallejo escrevendo sobre
solidão enquanto morria de
fome;
a orelha de Van Gogh rejeitada por uma
puta;
Rimbaud correndo para a África
em busca de ouro e encontrando
um caso incurável de sífilis;
Beethoven ficou surdo;
Pound foi arrastado pelas ruas
numa gaiola;
Chatterton tomou veneno para rato;
o cérebro de Hemingway pingando dentro
do suco de laranja;
Pascal cortando os pulsos na banheira;
Artaud trancado com os loucos;
Dostoiéviski de pé contra um muro;
Crane pulando na hélice de um barco;
Lorca baleado na estrada pelo exército
espanhol;
Berryman pulando de uma ponte;
Burroughs atirando na mulher;
Mailer esfaqueando a sua;
- é isso o que eles querem:
o danado dum show
uma placa luminosa
no meio do inferno.
é isso que eles querem,
aquele bando de
estúpidos
inarticulados
tranquilos
seguros
admiradores de
carnavais."
Deus está morto, mas a arte ainda consegue ser redentora.
terça-feira, 27 de março de 2012
domingo, 25 de março de 2012

Ao longe o som ruge e se aproxima como vento.
As árvores do canteiro central não são tão belas à noite. E calmamente de me desesperar
um renque de homens de pedra vestidos de luto, moribundos do centro
de peles queimadas pelo tempo
cantam um triste canto gregoriano, em ais de desespero e vazio.
da camisa branca rasgada e a barba crescendo vejo a imagem de cristo na Via Crúcis na avenida principal por dentro desse beco em que se encontra uma floresta escura e sem saída.
E perdidos com cruzes marcadas nos dedos, os pecados nas rugas da testa
A morte beija-lhes as orelhas e com dedos de loucura toca-lhes as almas.
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